03 setembro 2010

Avessamente ao vazio

Estranhamente sinto falta dos textos que me ficaram presos na ponta dos dedos, de todas as pessoas maravilhosas que passaram por mim mas com as quais não logrei viver momentos felizes, dos desejos que espreguicei, das músicas que eu não decorei a letra, do futuro que eu não construí hoje. A razão me impele a sentir raiva de mim, me punir, brincar de adoecer e desafiar a tristeza. Mas avessamente me sinto feliz. Simplesmente me percebo, generosamente me absolvo e carinhosamente me consolo. Só me ocupam o interesse a perenidade e a transitoriedade. Esse EU tem tempo, espaço e data de vencimento. Sinto uma paz ainda um pouco angustiada, mas que ao menos já consegue se expressar. Agradeço então às palavras que sabiamente se omitiram, às pessoas que não se aproximaram, aos desejos que se esvaíram e às músicas que melodibriaram. É justamente esse vazio -diferentemente do que eu enquanto ingênua imaginava- que de forma silenciosa vem construindo o meu futuro. O vazio não mais me causa medo, pois pressinto que ele é apenas aparente. E falta pouco para o que vem em seguida.

30 junho 2010

Amor de Roleta (Re-continuação - 2/∞)

No capítulo anterior (leia antes os posts Amor de Roleta (1/3), Amor de Roleta (2/3), Amor de Roleta (3/3) e Amor de Roleta (Re-continuação - 1/∞)):

- Eu quero um final feliz!!! – recostou a caneta sobre as folhas e saiu do quarto, girando a chave pelo lado de fora.

fiquei ali em pé, não sei contar em minutos se por 5 ou 50 (...)
CONTINUA (...)



fiquei ali em pé, não sei contar em minutos se por 5 ou 50, esperando talvez que alinhando meus pensamentos eu encontrasse uma explicação para aquilo tudo, ou, quem sabe, por sorte, acordasse. Mas a única coisa que me veio foi uma súbita tontura e a dor na cabeça voltando a chamar minha atenção para aquela situação bizarra. Tratei logo de me assentar. Percebi que estavam coladas na parede em frente todas as minhas histórias de amores felizes e bem sucedidos e nelas, em caneta de tinta vermelha, viam-se rabiscos, cruzes, desenhos, interrogações, sublinhados, pequenos comentários, todo o tipo de impressões através das quais a pobre Dolores foi se deixando expressar.

- Como pobre Dolores? Ela é apenas um personagem que eu criei! A solidão me fez louca de vez! Dei tanto espaço às idéias dentro de mim que agora elas assumiram o controle!
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ouvi um pigarrear bem marcado e abri os olhos assustada. Bem próxima a mim estavam os quadris mirrados de uma mulher e logo acima deles um cinto que, ao dar quase duas voltas ao redor da cintura, prendia o jeans barato e uma pistola preta. Percebi que havia adormecido em cima das folhas e acordava agora com a visão rotacionada em 90º da mulher por mim criada se impondo como regente da história daqui pra frente.

me endireitei na cadeira e tentei rapidamente repassar tudo o que estava acontecendo, enquanto deslizava meus olhos da arma na cintura de Dolores para a transfiguração em seu rosto ao ver que eu ainda não havia escrito uma linha sequer. Suas mãos trêmulas jogaram em cima da mesa duas fatias de pão de forma unidas com muita manteiga e um copo de água pela metade. Lembrei que aquilo realmente era tudo o que tinha na minha cozinha. Ela ainda me surpreendeu com um vidro de ketchup que devia estar esquecido na despensa. Um ‘obrigado’ quis sair pela minha garganta e eu fiz questão de agarrá-lo no céu da minha boca.

me vi novamente sozinha no quarto, a chave girando pelo lado de fora. Cada vez mais confusa, eu comecei agora a ficar verdadeiramente com medo. Havia me colocado em uma trama para a qual eu não estava literariamente preparada. Todos os meus personagens na parede me olhavam com os braços levantados em sinal de que nada poderiam fazer e essa impotência calava também suas idéias, silenciando a falta de conselhos. Como isso havia acontecido? E mais, isso estava mesmo acontecendo?

tentei buscar as minhas referências do real, mas eu tão pouco conseguia raciocinar. Só me vinha à cabeça ‘Escreve!’ e foi isso mesmo que resolvi fazer. Peguei a caneta, mas logo depois a devolvi à mesa. Escrever pra quê? Pra realizar os caprichos de alguém que não existe e que mesmo assim ousa me sequestrar dentro da minha própria casa e me obriga a escrever? Mas eu ouvia novamente um grito de dentro do meu ouvido “Escreve! Você deve isso a ela!”. Cansada de relutar e começando a sentir realmente uma pontinha de culpa, resolvi voltar ao momento em que peguei o caminho errado na encruzilhada e dar à Dolores uma pequena dose de coragem, da qual ela já se mostrou capaz de assumir.

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ELA acordou naquela manhã decidida a rever o rosto que marcou suas manhãs por inquietantes três meses. Tudo começou quando a mulher com o abdomen que dobrava por cima do cinto (...)
CONTINUA (...)

25 junho 2010

Balões em Evaporação

queria escrever algo bem leve pra retratar como estou me sentindo agora. Para isso quase não pressiono a caneta no papel, na tentativa de deixar os traços livres, quase ilegíveis. Praticar uma escrita pra ser lida de olhos fechados e alma escancarada, sem desculpas, cobranças ou defesas.

me vêm à mente uma infinidade de balões em evaporação. Corações vermelhos que ganham o céu, dividindo o horizonte com os mais diversos personagens do imaginário infantil. O céu se põe de pronto tão iluminado e essa luz, generosa, se derrama pela Terra, trazendo consigo um colorido nunca antes visto.

sinto uma leveza comparada ao alívio de receber uma resposta positiva de algo que há muito se espera; comparada ao sucesso de encerrar um trabalho que despendeu muita energia; comparada ao formigamento de se estar apaixonado.

11 junho 2010

Amor de Roleta (Re-continuação - 1/∞)

O Amor de Roleta se forçou dentro de mim para além do FIM. Então vou escrevendo até ele me dizer que está tudo acabado ou momentaneamente suspenso e me liberar de sua literatura.


No capítulo anterior (leia antes os posts Amor de Roleta (1/3), Amor de Roleta (2/3) e Amor de Roleta (3/3)):

(...) punho entre os meus seios. Já não sei se essa vontade era dela ou minha.

FIM



eu agora estou arcando com as consequências de meus atos, estou lutando contra os monstros que criei.
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quando voltei a mim nada enxerguei. Só reconheci uma dor que vinha da minha cabeça. Aos poucos fui recobrando a percepção, ajustando meus olhos à pouca luz. Vi que minhas mãos estavam vermelhas de um sangue já quase negro e levei minha mão novamente à suspeita fonte daquele líquido desesperador e confirmei que ele escorria de por debaixo dos meus cabelos. Com a certeza, a dor se intensificou, minha mente tratou já de ativar o sistema nervoso, gritando a meu corpo que respondesse com um inconveniente latejar àquela agressão externa. Sem entender nada, levantei meio descarrilada e dei uma volta sobre os calcanhares, fazendo uma varredura desfocada daquele lugar. Até que encontrei sobre uma mesinha de canto um desenho com poucos traços no qual se podia identificar uma jovem de pouca idade, mas com aparência envelhecida pela magreza e pelos grandes olhos tristes. O papel a identificava como DOLORES.

nesse momento, foi como se o quarto se acendesse por inteiro, em tons bem contrastados de cinza e, em meio a uma fina névoa quase nostálgica, o cenário foi se organizando feito mágica, os objetos flutuando até seus devidos lugares e, depois desse redemoinho de inutilidades girando no ar, meu quarto se fez recordar e eu me vi sentada em frente àquela mesinha de canto, com a mão esquerda em punho entre os meus seios, lendo a história que acabara de escrever. Senti uma pontada tão forte na cabeça que expôs o quarto a um branco puro de fechar os olhos e quando o fiz tudo se fez preto.

logo em seguida, abri novamente os olhos, sobressaltada pela nítida sensação de não estar sozinha. Espremi os olhos algumas vezes para tentar vencer aquelas manchas brancas causadas pela exposição à luz forte e me virei. Levei um susto ao ver, com um pouco de dificuldade, que atrás de mim, agora na minha frente, estava uma jovem de pouca idade, com aparência debilitada, trajando poucos quilos e grandes olhos amarelados. Aos poucos fui recobrando totalmente a visão e quão maior não foi o meu choque ao perceber que se tratava do meu desenho mal traçado que ganhara formas reais e uma respiração falha e barulhenta. Podia-se, agora, observar tantos outros detalhes, como olheiras bem profundas, sardas no nariz e uma cicatriz que escorria do antebraço até esconder-se na palma de sua mão.

seus amarelos olhos se comprimiam, estremecendo no ritmo de uma ira imensurável e eu fui hipnotizada por aquele par de faróis indicando PERIGO. Vi que ela tentava dizer alguma coisa, mas meus ouvidos não captaram som algum. Irritada, ela foi até a mesa de canto, apontou para um bolo de folhas em branco, enquanto estendia o braço esquerdo na minha direção, segurando entre o polegar e o indicador uma caneta. Rosnou:

- Eu quero um final feliz!!! – recostou a caneta sobre as folhas e saiu do quarto, girando a chave pelo lado de fora.

fiquei ali em pé, não sei contar em minutos se por 5 ou 50 (...)
CONTINUA

25 maio 2010

No ponto

Um ponto, dois pontos, uma ponte.
Um ponto, um reencontro, um ciclo.
Um ponto, um conto, uma vida.
Um ponto compondo o todo é harmonia.
Um ponto querendo ser só é loucura.
Se desviar é loucura (?)
Um ponto querendo ser sol quando a terra é o centro é loucura.
Se desviar é loucura (?)
E ponto. Pronto! Um ponto de vista!

(provavelmente escrito antes de 2002)